segunda-feira, 6 de julho de 2009

Feliz por ter morrido

Meu nome é Géstroncio e tenho 5 anos de idade. Vivo com minha mãe e meu pai num barraco de madeira quase caindo no córrego pois não temos dinheiro para comprar em outro lugar. Meu pai faz bico de pedreiro e minha mãe é empregada doméstica na casa de uma “dona” cheia da grana que ajuda muito a gente, até porque é minha mãe que sustenta o barraco todo, meu pai só bebe, chega todo dia bêbado em casa e quase sempre me bate e bate na minha mãe também, e todo dia é a mesma coisa. Eu fico todo dia trancado sozinho no barraco e quem cuida de mim é uma vizinha do outro barraco que as vezes dá uma olhada pra ver se eu ainda to vivo...
Meu pai vai fazer os bicos dele e minha mãe vai trabalhar na casa dessa “dona” que tem uma casa muito chique e muito grande. Minha mãe disse que ela é muito educada e muito simpática também, minha mãe adora trabalhar lá.
O tempo foi passando e o barraco teve que passar por umas reformas porque tava caindo no córrego, então meu pai arrumou umas madeiras para consertar e ficamos mais tranquilos, pelo menos até não chover, porque quando chovia, era água por cima, por baixo e por todo lado.
Hoje tenho 7 anos e a vidinha naquele barraco continua, agora tenho que ir para a escola e nem tenho tênis para calçar, minha mãe comprou um chinelo havaiana novinho pra mim. No primeiro dia eu era o único de chinelo e já tem uns engraçadinhos tirando o sarro, eu fiquei com muita vergonha e chorei muito, voltei pra casa desesperado e não queria mais ir para a escola, a não ser que comprasse um tênis pra mim.
Minha mãe pediu um adiantamento para a “dona” e ela comprou um tênis novinho e assim eu ia para a escola mais tranqüilo, só que tinha o problema da roupa, eu não tinha roupa nova e foi outro problema pra minha mãe resolver, comprar roupas no brechó (eu nem sabia o que era isso), mas foi lá e me trouxe roupas usadas, mas eram boas. Assim segui minha vidinha de criança.
Hoje com 10 anos, já começo a perceber e conhecer um pouco mais do mundo e muitas coisas a minha volta.
Descobri que sou pobre, e muito pobre, eu via os carros passando e as pessoas bem vestidas, casas bonitas como a da “dona” onde minha mãe trabalha, mas só agora descobri em que classe social me encontro.
Meu pai ainda trabalha com os biquinhos dele e minha mãe chegou em casa chorando porque a “dona” mandou ela embora, disse que o marido ficou desempregado e não teria dinheiro para continuar com ela. Eu não entendia muito bem sobre desemprego, mas minha mãe me explicou tudo direitinho, até entendi quando meu pai chegava em casa, ou nem saia porque dizia que não tinha trabalho aquele dia.
Enfim, minha mãe arrumou outro para ganha menos e meu pai não consegue emprego e nem os biquinhos que ele fazia ta dando para sustentar ele próprio.
Resolvi vender bala na rua pra ver se consegui ajudar meu pai e minha mãe, parei de estudar porque não dava tempo de ir pra escola, eu não tinha dinheiro pra comprar roupa e nem tinha mais calçado. Apesar de minha mãe brigar comigo por ter saído eu não voltei mais para a escola.
Hoje com 15 anos, to usando droga com os amigos, minha mãe saiu desse outro emprego e só faz uns biquinhos fora, o dinheiro que ganho vendendo bala é para as drogas, o que meu pai ganha é pra bebida, o que minha mãe ganha é pra comer.
O barraco foi embora com a chuva, felizmente não tinha ninguém lá, então eu minha mãe e meu pai fomos morar embaixo da ponte no centro da cidade.
Minha mãe se viciou, meu pai é pedinte e eu já estou sem dentes de tanto usar drogas de vários tipos.
Hoje com 20 anos de idade estou sozinho com minha mãe que se prostitui para usar drogas, meu pai foi preso por roubar e esfaquear uma pessoa na rua que não quis dar dinheiro, eu nem consigo levantar do papelão que durmo de tão fraco e desnutrido por não comer e usar drogas.
Com 21 anos morri de overdose e vejo minha mãe comendo comida estragada, se prostituindo, usando todas as drogas e chorando por causa da minha morte, meu pai ta na cadeia sofrendo muito e nem sabe que eu morri, muito menos da minha mãe que ta nesse estado, mas pelo menos ele tem comida todo dia.
Depois de 6 meses minha mãe morreu a pauladas na rua por pessoas de vida boa, mas que estavam a fim de se divertir simplesmente, meu pai se suicidou por não agüentar pensar que nunca foi um homem capaz de nos dar uma vida boa.
Hoje estamos com Deus, estamos felizes e alegres, somos uma família.
Era tanto sofrimento que hoje sou feliz por ter morrido.

Muita gente acha que tem problemas !

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